26 junho 2005

Sagrado Coração de Maria

Tinta acrílica sôbre tela - Jôka P.


Maria Aparecida teve uma noite de cão.

A madrugada toda de pé na Avenida Atlântica.
As botas de verniz ordinário - saltos altíssimos de plataforma - lhe destruíram os pés.
O rímel vagabundo da Coty teimava em derreter - dois riozinhos negros lhe escorriam pelo rosto.
Nenhum cliente.
Ninguém.

Maria Aparecida fazia cinquenta anos naquela noite.
Voltou andando devagar, as botas baratas fazendo bolhas nos pés.
Entrou no prédio da Barata Ribeiro e deu boa noite ao Seu Inácio, o porteiro.

-" Boa noite Seu Inácio."
-" Boa noite, Dona Cida. Tudo bem ?"
- " Tudo indo, Seu Inácio. Tudo indo."

Era sempre assim.
Como um acordo tácito.
Entrou no apartamento e abriu as janelas para arejar.
Da vizinha veio um cheiro enjoado de bife.
Que idéia fritar bife a essa hora, pensou.
Não tinha cachorro, nem gato.
Não tinha plantas, nem ninguém.
Nada.
Ligou o rádio e o cubículo se encheu de promessas de prosperidade evangélica.
Sentada diante da penteadeira em decapê, muito lentamente tirou toda a maquiagem com creme Pond´s.
O espelho refletiu seu rosto cansado. Um rosto de menina velha.
Quase velha ou quase jovem.
Acendeu uma vela de Sete Dias para Nossa Senhora de Copacabana e rezou diante da imagem da santinha de gesso.
Depois desligou o rádio.
Em silêncio se olhou novamente no espelho encardido.
E viu finalmente um rosto humano.
Era ela - ou quase ela.
Maria Aparecida.
A - pa - re - ci - da.

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