Tinta acrílica sôbre tela - Jôka P.
Maria Aparecida teve uma noite de cão.
A madrugada toda de pé na Avenida Atlântica.
As botas de verniz ordinário - saltos altíssimos de plataforma - lhe destruíram os pés.
O rímel vagabundo da Coty teimava em derreter - dois riozinhos negros lhe escorriam pelo rosto.
Nenhum cliente.
Ninguém.
Voltou andando devagar, as botas baratas fazendo bolhas nos pés.
Entrou no prédio da Barata Ribeiro e deu boa noite ao Seu Inácio, o porteiro.
-" Boa noite Seu Inácio."
-" Boa noite, Dona Cida. Tudo bem ?"
- " Tudo indo, Seu Inácio. Tudo indo."
Como um acordo tácito.
Entrou no apartamento e abriu as janelas para arejar.
Da vizinha veio um cheiro enjoado de bife.
Que idéia fritar bife a essa hora, pensou.
Não tinha cachorro, nem gato.
Não tinha plantas, nem ninguém.
Nada.
Ligou o rádio e o cubículo se encheu de promessas de prosperidade evangélica.
Sentada diante da penteadeira em decapê, muito lentamente tirou toda a maquiagem com creme Pond´s.
O espelho refletiu seu rosto cansado. Um rosto de menina velha.
Quase velha ou quase jovem.
Acendeu uma vela de Sete Dias para Nossa Senhora de Copacabana e rezou diante da imagem da santinha de gesso.
Depois desligou o rádio.
Em silêncio se olhou novamente no espelho encardido.
E viu finalmente um rosto humano.
Era ela - ou quase ela.
Maria Aparecida.
A - pa - re - ci - da.
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