30 abril 2005
Ele trazia uma sacola cheia de coisas do Gilson Martins, era muito lourinho e parecia saído de um anúncio do Calvin Klein.
Escolheu em cinco minutos duas gravuras naif da década de sessenta, representando um Cristo meio fálico. Perguntou o preço e me pediu pra embrulhar as duas, enquanto iria ao caixa eletrônico do Citybank na Visconde de Pirajá.
Assim - super decidido.
Pensei que não fosse mais voltar - afinal passei dois terços da vida dizendo adeus.
Mas ele voltou logo, todo molhado e com um monte de notas de cinquenta novinhas.
Pegou o embrulho de plástico-bolha e disse que se chamava Scott.
Quase - mas quase mesmo - perguntei se gostava de Chopp.
Scott saiu apressado e felicíssimo com as suas bolsas de bandeira do Brasil e as gravuras cariocas.
Continuou chovendo todo o resto da tarde.
Meu outono precisava dessa chuva.
Achei que isso me libertaria. Mas não.
29 abril 2005
Romance
Beijou-a não uma vez, mas muitas vezes, como se quisesse transmitir a paixão que só ele sentia.
Em cada beijo, mais desespero, mais febre.
E uma vontade de tocar aquela mulher, de despertar na sua alma a nostalgia do antigo amor."
28 abril 2005
Avec mes meilleurs souvenirs
27 abril 2005
FLASH
Rolo de rir com aquela estética totalmente Almodóvar da hi-society.
Ontem a cena era em um casamento paulista, num lugar luxuosíssimo, tudo de bom, absolutely fabulous :
A noiva de vestido diretório branco, grinalda sem véu ( parece que véu está out ) e um barrigão de no mínimo sete ou oito meses. Lembrei de Barbra Streissand em "Funny Girl".
Imagino o bafafá quando a família da noiva descobriu a gravidez da jovenzinha.
A mãe da moça estava com um vestido turqueza todo brilhoso, práticamente um destaque de abre-alas. Faria inveja a qualquer drag-queen da Lapa - cabelão de Barbie, maquiagem nos tons mais ofuscantes possíveis, além do obrigatório bocão de botox.
A jovem e poderosa senhora deu a seguinte declaração na conversinha enaltecedora que teve com o apresentador :
-"Amaury, agora estou trabalhando. Essa coisa de trabalho mudou a minha vida."
Assim, definitiva.
E eu achava que já tinha visto de tudo na vida.
24 abril 2005
Made in Korea
Domingo - fim de tarde - começo de outono.
23 abril 2005
Atendo cavalheiros exigentes...
"Atendo cavalheiros exigentes..." - tinta acrílica sobre tela - 1m x 1m- Jôka P.
"Loira . Atendo cavalheiros exigentes - hotel, motel, residência - até as 22 hs, pelo telefone 553862..."
O sagrado coração de Maria
"Nossa Sra. de Copacabana" - tinta acrilica sobre tela - 80 X 80 - Jôka P.
Ave, Maria ! Bendita sois vós, entre as mulheres.
Nossas Senhoras de Copacabana
Foto : Pierre & Gilles
ISABEL
A Boîte fica quase no Leme, na Avenida Princesa Isabel. Nos letreiros em neon rosa pink, acima da porta em inox, está escrito : "Cicciollina".
A garôta de cabelos azuis e mini-vestido preto, sentada no canto mais escuro do bar é a Isabel. Seu nome é mesmo Isabel, como a Avenida. Ela já fumou nem sei mais quantos Hollywoods, enquanto espera a vez de entrar em cena.
Isabel é linda.
Os cabelos azulados da peruca coreana refletem como ondas do mar de Copacabana, na luz negra do puteiro. Tudo alí é ordinário - o letreiro em neon trêmulo, as paredes com fotos desbotadas, os drinks malhados, os clientes. E ela mesma.
A vida de Isabel é vulgar, quase sórdida.
Ela dança semi-nua, rebolando ao som de um pagode medonho. Sente o rímel escorrer, deixando dois riozinhos negros que descem até os seios minúsculos.
Quando finalmente algum cliente a chama para uma mesa, Isabel pede um Hi-Fi e diz, séria, sem um sorriso :
- Antes de mais nada, meu bem... eu vivo disso."
Ela já não se lembra de ter tido um único dia feliz na vida. Mas não desiste nunca de procurar.
Isabel é linda.
Isabel é uma princesa.
Jôka P. - Sábado, 23 de abril de 2005
21 abril 2005
Foto : Jôka P.
Sei que a fila está andando quando os mais jovenzinhos começam a me chamar de "tio".
E quando vou a um bar na Av.Atlântica, não bebo a quarta Caipiwodka, com medo de contar as mesmas estórias pela quinta vez.
Eu sei que estou ficando velho quando sabiamente passo a comer somente dois ovos por semana. E reduzo drásticamente a quantidade de Miojo, e troco o prato fundo pelo raso, temendo o mau colesterol e os triglicerídeos.
Quando passo a andar um pouco mais devagar, porque a pressa só me leva mais rápido a lugar nenhum.
Quando olho pra trás e percebo que já morrí umas cem mil vezes.
Saio pra sempre da vida de alguém, fechando uma porta em silêncio.
E sei que vou ser esquecido.
JÔKA, Copacabana, abril de 2005