Medo do escuro

...existe um menino em mim que se recusa a morrer.

Devia ter seis anos.
Minha irmã, dois anos mais nova, dormia em outro quarto.
Eu já era velho demais para ter uma babá.

O dia inteiro era cheio desse medo :
o momento em que a última pessoa dissesse “Boa noite”.
E eu, deitado na cama, ouvindo a porta do quarto fechar.
Copacabana trovejando em silêncio sobre mim.
Os cantos escuros. O coração disparado.
Um copo d´água na mesa de cabeceira.
Assim eu podia molhar os olhos, a fim de mantê-los abertos.
O perigo de adormecer e ser atacado por alguma coisa escondida.
Finalmente, a fuga pro banheiro.
O alívio, quando eu acendia a luz e podia ver perfeitamente todos os cantos.
Revistas em quadrinhos, pilhas delas.
Bolinha, Luluzinha, Tio Patinhas, Batman.
E a segurança de um sono exausto em cima da toalha felpuda, no chão de mármore.

Até que a minha mãe batia na porta e perguntava que maluquice infantil era aquela.

O momento mágico em que eu era um menino, e mamãe abria a porta, sorrindo.

Eu ainda não sabia, mas aquilo é que era a felicidade.