Mar da tristeza infinita - acrílica sobre tela - Jôka P.
Orlando terminou de jantar e recostou-se na poltrona de courino marrom.
- Tem algum programa bom na televisão ? - Beatriz perguntou tirando os pratos da mesa.
O homem ligou a tevê sem responder.
Tinha uma loura, ex-amante de algum obscuro pagodeiro, exibindo suas novas próteses mamárias. "As maiores da América Latina !" - anunciava a cachorra, orgulhosa.
Beatriz serviu um cafezinho e veio aninhar-se entre ele e o braço da poltrona.
As crianças - Bernardo, Beranice e Bia - tinham ido à um aniversário, no mesmo prédio.
De repente, o sujeito empurrou Beatriz delicadamente para fora da poltrona e disse :
- Tenho que ir. Hoje estou sem desculpa em casa.
Vestiu o jaleco de dentista com a ajuda dela, que o levou até a porta, e recebeu na bochecha um beijo chôcho.
Depois que ele saiu, Beatriz desligou a televisão e foi para a cozinha lavar a louça, senão dá barata.
Tudo limpinho, voltou ao quarto, tirou o vestido e meteu-se em uma camisola de malha atoalhada, comprada aquela tarde, nas Lojas Americanas.
Enfiou nos pés uma sandália havaiana e foi para o banheiro escovar os dentes. Tirou a maquiagem, botou um a um, todos aqueles bobs de plástico nos cabelos e passou no rosto uma grossa camada de creme Ponds.
Apagou a luz do banheiro, caminhou até a cama, sentou-se nela e deu corda no despertador.
As crianças tinham a chave da frente e não deviam demorar.
Fechou a janela do quarto, mas nem assim conseguiu diminuir o barulho forte que subia da Avenida Copacabana.
Deu um longo bocejo, deitou-se, cobriu-se com o edredonzinho barato e apagou o abajur.
Antes de dormir chorou um pouco.
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